#02: Três coisas que o Agile Coach deveria estar fazendo

No primeiro post desta série falamos sobre a Secretária e o Gente Boa, dois anti-patterns do Agile Coach. Entretanto, qual seria a metáfora para simbolizar o que, no meu entendimento, seria um Agile Coach ideal?

No contexto complexo em que muitos estão inseridos, a relação de causa e efeito não é conhecida de antemão (veja Dave Snowden e o Framework cynefin). Isso nos leva à necessidade de experimentações constantes e a ciclos curtos de feedback que busquem validar, ou não, nossas hipóteses — sejam elas sobre os produtos ou processos — visando a transformação que se quer obter.

Essa é a fundamentação base que justifica a Agilidade e que serve também para ilustrarmos o ambiente em que o Agile Coach está inserido.

Confira a primeira parte do Webinar O Backlog do Agile Coach (Facebook)

Ora, a mera associação das palavras hipótese; experimento; testes; complexidade; e transformação; nos faz lembrar, naturalmente, o trabalho de um cientista. O Cientista é um investigador sensível ao contexto. Percebe oportunidades, mas se mantém imparcial até testar suas hipóteses. Entende a complexidade em que está inserido e por isso busca a verdade através dos experimentos, sabendo que cada cenário é diferente. Ele tem a necessidade de medir e aprender a partir das reações sociais resultantes, estudando os elementos em separado além da relação entre eles.

Logo, pra mim, é mais interessante (e até esclarecedor) pensar no Agile Coach como um cientista, uma vez que está inserido em um contexto complexo. Esta relação nos faz pensar, então, que tipo de ações este profissional deveria estar exercendo e que tipo de técnicas e ações seriam as mais necessárias. Uma coisa que sabemos claramente, todavia, é que não podemos usar abordagens de natureza simples para tratar problemas complexos. Somente a interação de agentes complexos consegue endereçar questões complexas. E aqui já temos uma boa dica sobre o que o Agile Coach deveria estar fazendo!

As 3 Principais Atividades do Agile Coach Cientista

De forma não exaustiva e sem querer esgotar o assunto, vou elencar 3 frentes que um Agile Coach deveria explorar, uma vez que tem este viés de cientista:

Confira o vídeo sobre a polêmica dos termos Agile Coach vs Scrum Master

1 – Estudar os elementos

Podemos observar alguns tipos de elementos passíveis de estudo por um Agile Coach: do mais específico para o mais abrangente teríamos: o indivíduo; a equipe e a organização.

Assim, um dos primeiros passos para um cientista é buscar entender um pouco melhor o comportamento destes elementos e como eles atuam.

Indivíduo

Se queremos entender uma equipe não será através do estudo dos indivíduos isoladamente que conseguiremos, uma vez que estamos num contexto de complexidade e os agentes sozinhos não revelam muito sobre o organismo inteiro.

Entretanto, uma vez que o Agile Coach está usando o chapéu de Coach, é útil a ele entender quais as propriedades daquele agente e como, geralmente, reage com outros elementos. É como querer saber quem são dos compostos mais inflamáveis, as bases e os catalisadores.

Estudar os indivíduos traz insights importantes ao Agile Coach, que pode identificar oportunidades específicas e sugerir ações de mentoria ou coaching quando conveniente.

Já criei projetos de mentoria e coaching particulares, por exemplo, com product owners que buscavam atuar melhor em seus papéis; auxiliei colegas de equipe que buscavam melhorar sua organização pessoal; já auxiliei alguns até a chegarem mais cedo ao trabalho (porque eles queriam), dentre outras coisas. 🙂

Equipe

A equipe é um organismo totalmente particular. Ela é maior do que a simples soma dos seus integrantes e tem seu próprio comportamento que não é explicável por nenhum dos comportamentos individuais dos seus membros.

Como exemplo dessa independência da equipe sobre seus membros, imagine uma equipe que é conhecida por seu alto grau de inovação. É possível que neste composto haja alguém com pensamentos totalmente “fora da caixa”, mas que não tenha disciplina e que existam pessoas altamente disciplinadas, sem a mesma visão do primeiro. Ainda pode ser que exista alguém com habilidades comportamentais importantes para amortecer os perfis mais difíceis e que, só assim, o organismo é reconhecido como super inovador. Pegar qualquer um dos seus membros, isoladamente, não representaria a equipe como um todo.

Estudar a equipe, buscando entender e influenciar comportamentos individuais que possam sustentar ou melhorar as características gerais, é um bom desafio para um Agile Coach.

Procure saber várias opiniões sobre a equipe dentro da organização. O que dizem sobre ela? Você pode coletar estas impressões a qualquer momento, mas uma ótima hora é quando você está transitando de uma equipe para outra. Eu mudei de equipe algumas vezes e ouvia comentários como: Cara, você vai se dar bem lá, eles precisam de alguém para organizar as coisas; Você vai para aquela equipe? Eles não entregam nada!; Cuidado que está cheio de “estrelinhas” naquela equipe hein?!; Aquela equipe é muito boa! Resolvem tudo sozinhos; Iiiiiii! Lá só tem pessoal tradicional, cuidado! Ouça tudo, como um bom cientista, e depois analise na prática e prepare suas hipóteses.

Organização

A organização é outro ser independente com comportamento específico. Entender como este grande organismo se comporta também pode ajudar o Agile Coach e suas equipes no andamento de suas atividades e a conter suas expectativas.

Se a organização, por exemplo, tem características burocráticas, mas uma equipe, ao contrário, nasceu com aversão à burocracia, lidar com possíveis frustrações e criar um sentimento de avanço contínuo é algo determinante ao sucesso ou não de um projeto ou à saída, ou não, de um integrante.

Neste ponto me recordo da Gestão 3.0 em que uma das ações do gerente seria tornar visíveis as  “cercas elétricas invisíveis” que estão em toda a organização. Assim, pelo menos, se evitaria que as pessoas tomassem choques a toda hora.

2 – Testar Hipóteses

Outra atividade que um Agile Coach deve realizar é o teste de hipóteses, que poderiam ser aplicadas tanto no elemento indivíduo, quanto na equipe e organização.

Os testes das hipóteses serão tão ousados quanto seu contexto permitir. Pode ser tão corriqueiro quanto introduzir uma técnica de Kanban numa equipe Scrum, quanto tão audacioso como delegar todo o poder da empresa à uma constituição (a.k.a. Holacracia). É claro que este último não depende tanto do Agile Coach, mas você pegou o espírito da coisa.

Lembro-me de uma hipótese pouco convencional que testei uma vez, com dois colegas de equipe, mas que não recomendo para qualquer um fazer em qualquer circunstância. De forma bem resumida foi assim:

Numa equipe que trabalhava junta há um ano, dois desenvolvedores, nos bastidores, começaram a reclamar um do outro para mim. Numa dada reunião, com todos juntos, quando o assunto pareceu ser conveniente, eu disse o que fulano tinha comentado de beltrano abertamente (era algo sobre a qualidade ruim do código). Depois de um momento de desconforto, cada um se sentiu na necessidade de justificar por quê pensava daquele jeito e o gelo foi quebrado. Eles viveram felizes para sempre. Fim! (Eu avisei! Pouco convencional! :-D, poderia haver vários efeitos colaterais, mas eu assumi o risco por já conhecer as pessoas há um bom tempo). 

Importante sobre testar hipóteses: Fundamental saber o que você quer ver melhorado no final do experimento e conseguir medir de alguma forma, seja qualitativa ou quantitativamente. E lembre-se sempre de Goldratt: “Diga-me como medes que te direi como me comporto”

3 – Facilitar mudanças

Uma vez que uma oportunidade surgir, seja em qual nível for, e sua hipótese estiver certa, o Agile Coach deve trabalhar para criar um hábito positivo até que tal comportamento e mudança se torne natural naquele organismo. Aqui entram ferramentas como mentoria, coaching, facilitação, treinamentos, etc…

Numa reunião diária, por exemplo, quando se pergunta qual a coisa mais importante naquele dia, geralmente cada pessoa pensa em sua própria função. Isso pode trazer ineficiências uma vez que os esforços poderiam ser canalizadas para ajudar a finalizar mais itens. Com isso em mente, o Agile Coach pode fomentar o hábito, uma vez que tenha se mostrado válido, de se discutir todos os dias qual a coisa mais importante para A EQUIPE naquela dia. Assim, todos são convidados a mudar o foco da “sua coluna” para dizer no que poderiam contribuir o item mais importante do time.

Estas três atividades, 1-Estudar os elementos; 2-Testar Hipóteses e 3-Facilitar Mudanças, andam juntas e talvez não agreguem tanto valor separadas. Pense, por exemplo que você não quer mudar as coisas simplesmente por mudar, mas que é preciso primeiro entender bem o porquê da mudança.

Separei estas 3 grandes frentes de atuação, pois em cada uma é possível utilizar conceitos e técnicas diferentes. No próximo post vou falar da técnica que utilizo para Estudar os Elementos e outra sobre como você pode Testar Hipóteses e Facilitar Mudanças! Continue acompanhando a série

E o que você acha? Consegue ver o perfil Secretária e Gente Boa fazendo estas coisas?


Conheça meu laboratório 🙂 no Facebook e conte comigo para auxiliar os seus cientistas no processo de experimentação e descobertas! buzon@rafaelbuzon.com

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