Quem é Ágil?

Apesar dessa discussão aparentar ser sobre o sexo dos anjos, é Ágil ou não é Ágil, e parecer não trazer benefício prático imediato para nosso dia a dia, creio que existam implicações importantes sobre a atribuição descabida do termo a qualquer contexto. Mas antes de me aprofundar na questão, deixe-me mostrar o que me levou a refletir sobre isso…

A banalização dos termos

Na conferência de 2013 do DevCamp, eu falei sobre Adoção e Transformação para o Ágil, mas comecei refletindo como as comunidades têm separado em uma caixa tudo aquilo que não presta, rotulando-a de Tradicional e numa outra caixa tudo aquilo que é bom e funciona, chamando-a Ágil. (Com as discussões políticas recentes, não me surpreenderia se colocassem o atual governo na caixa Tradicional. Só não sei o que colocariam na caixa Ágil, entretanto).

Para dar alguns exemplos concretos sobre a banalização dos termos, alguns dizem que só porque se comunicam bem com o cliente já são ágeis. Outros porque pensam de forma simples já correm colocar o badge Ágil no peito. Em Kanban, por exemplo, para pegarmos um exemplo fora do universo Ágil, são aquelas pessoas que colocam os post-its na parede e criam algumas colunas, dizendo com a boca cheia que fazem Kanban. Para extrapolar a questão, podemos dizer que nem todos os que fazem Scrum, por exemplo, podem ser chamados ágeis. A aferição do título, entretanto, ao meu ver, vai muito além.

O que é ser Ágil ?

Creio que a grande questão a ser respondida, portanto, antes de evoluirmos no raciocínio, seja: de fato – o que vem a ser Ágil? Além disso, precisamos ir um pouco além para entender quem realmente tem as condições de ser batizado nas águas da agilidade. Só a partir desta definição é que poderemos, na minha opinião, responder as indagações deste artigo e analisar o que é ou não uma deturpação do conceito.

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De volta a 2001: é um dia frio em Utah, 17 pessoas se reúnem buscando discutir melhores formas de se desenvolver software a fim de endereçarem os vários problemas que os projetos desta natureza sofrem. E, deste encontro, você já sabe o resultado: o Manifesto Ágil.

O que é importante observar neste momento é de qual tipo de trabalho o Manifesto emerge. A grande referência do que vem a ser Ágil, que é o Manifesto, foi cunhada por programadores que abstraíram práticas e técnicas de desenvolvimento de software em quatro valores e doze princípios. Note, portanto, que os motivadores, os signatários e o Manifesto bebem todos da indústria de software. E aqui reside, pra mim, o primeiro grande indicador de quem pode ou não ser Ágil. Deixe-me explicar:

Dizer que somente os projetos de software podem ser ágeis, hoje, pode soar como uma heresia. Afinal de contas, temos relatos de pessoas, times e empresas usando a “agilidade” em contextos não-software. E isso parece ok pra mim. É sim possível aplicar o Ágil em outras indústrias e mercados, mesmo provavelmente não sendo a intenção inicial de seus idealizadores. O movimento ganhou vida própria e extrapolou as linhas de código… Mas daí dizer que qualquer tipo de trabalho e projeto podem ser chamados de Ágeis, me parece uma heresia ainda maior.

Então, se não são somente projetos de software que podem vir a ser Ágeis e por outro lado também não é pra todo mundo, quem mais poderia ser?

Não foi também uma reflexão explícita dos criadores do Manifesto, mas acredito que o Ágil se aplique, em primeiro lugar, a projetos de características semelhantes aos de software, ou seja, aqueles de natureza criativa. Aqueles trabalhos que incluem momentos em que não há relação de causa e efeito previsível de antemão. Que precisam de experimentação para convergir em algo útil. Aqueles projetos que passam por situações que requerem que as práticas emerjam durante o envolvimento com o problema… tinkering… e que não há espaço para receitas de bolo predefinidas ou melhores práticas a serem aplicadas.

Para saber mais sobre a natureza complexa, veja os conceitos do Framework Cynefin, de Dave Snowden.

Logo, eu tenho minha primeira suposição:

Podem ser ágeis aqueles projetos e trabalhos que passam por situações de natureza complexa… (mais por vir)

Mas não é só isso. A natureza do projeto sozinha não diz se este já é Ágil ou não. Passar por momentos de natureza complexa, por exemplo, torna um contexto elegível a ser Ágil, mas não significa que ele já entrou para o clube dos post-its. Logo, o que pra mim complementa essa primeira visão na busca pela definição do que é ser Ágil, é a aderência ao Manifesto. Seguir os quatro valores e os doze princípios. Simples assim.

Vamos lá: desenvolvimento incremental está por ai desde os anos 70; Valorização e Interação entre as pessoas já data desde Mary Parker Follett e Kurt Lewin (como Neils Pflaeging apresenta aqui); Resiliência e Adaptação são conceitos que já estão na literatura de projetos pelo menos desde 1969… então o que seria o Ágil dado que vários dos conceitos inerentes à filosofia já existiam antes dele? Ora, ao meu ver, o que faz do Ágil algo único é justamente a união destes vários conceitos. (“Pela união de seus poderes, eu sou o capitão planeta” 🙂)

O mérito do movimento Ágil foi compilar, interpretar e apresentar alguns conceitos adequados ao trabalho de natureza criativa, permitindo que novos modelos, métodos, práticas, técnicas e frameworks se fundamentassem e se justificassem nessa proposta. E, com isso, facilitou a inauguração de uma nova era da organização do trabalho. Logo, se o manifesto é a junção de várias ideias e filosofias, extrair isoladamente um valor ou um princípio é, pra mim, usar aquela ideia e filosofia específica e não o Ágil em si, que é a união de todos eles.

E assim completo minha definição:

Podem ser ágeis aqueles projetos e trabalhos que passam por situações de natureza complexa e que estão aderentes ao Manifesto Ágil.

Não me entenda mal. Munir-se e utilizar-se de conceitos promovidos pelo Ágil é sadio e um agente de mudanças precisa  explorar o que melhor funcionar para seu contexto, bebendo de várias fontes. Mas para se chamar algo de Ágil, pra mim, é quando ele segue ou busca seguir todo o Manifesto. E isso não significa ser excelente em todos os valores e princípios, mas sim que existe uma intenção real em se aperfeiçoar cada um deles, mesmo não estando ainda em uma maturidade ótima. Logo, também vem desta análise a possibilidade de dizermos que alguém é muito Ágil ou pouco Ágil, aplicada particularmente naquele contexto em análise, de acordo com a intensidade em que se busca aplicar os valores e princípios.


Para você que não trabalha em um contexto de natureza complexa ou que não vive os valores e princípios do Manifesto, você pode dizer que está fazendo algo parecido com o Ágil; ou que é Agile-Like; ou ainda que é um tipo de organização inspirada no Ágil; Tudo isso parece ok. Só não precisa dizer que faz um projeto Ágil. Isso é só para alguns 😉


(Atualização em março 2018): É errado buscar ser ágil. Buscar ser ágil é como buscar ser um martelo inteligente. Como nem todo o problema é um prego, sua intenção deve ser resolver o problema e, eventualmente, usar as intenções da agilidade para isso. 

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