Num contexto complexo as relações de causa e efeito não são evidentes e sabidas de início. Só conseguimos entender um determinado acontecimento olhando em retrospectiva, quando então, e somente então, verificamos o encadeamento de fatos que levou a determinado desfecho.
Ao lidar com a complexidade preferimos modelos que nos ajudem a experimentar e a nos adaptar, pois não é possível prever ou criar planos infalíveis como contextos determinísticos permitiriam. Logo, eis que aparece a questão que me levou a escrever este post e a trocar ideias com alguns amigos da comunidade:
Se estamos na complexidade, em que não é possível garantir prazos precisos e nem resultados, pois espera-se que a adaptação e o retroplanejamento colaborem com o aprendizado contínuo e aplicado em busca de sucesso, como saber se uma falha qualquer foi fruto da imprevisibilidade do cenário complexo ou se poderia ter sido de fato evitada com alguém mais experiente, especialista ou ainda com mais planejamento e capacidade de execução?
Caso queira conhecer mais sobre o conceito da Complexidade, veja um post do Kudoos que publicamos explicando melhor o conceito e fornecendo outras boas referências:
http://blog.kudoos.com.br/gestao/teoria-da-complexidade-na-copa-de-2014/
Foi com esta questão em mente que fiz este vídeo. Primeiramente para compartilhar o dilema e minha dúvida. Depois consultei os sempre-solícitos-amigos da comunidade ágil em busca de opiniões e contra-opiniões. Não só tive boas respostas como pude mesmo entender melhor minha pergunta. 🙂 Na sequência você confere o vídeo que introduz o tema e o histórico da conversa que tive com Rafael Camargo, Manoel Pimentel e Matheus Haddad.
CHAT VIA SLACK – Dê um desconto para os typos, foi um chat infomal 😉
Rafael Buzon
Olá @channel, a complexidade pode sempre ser usada como desculpa? Um pouco mais de contexto: o que quero responder é mais na linha de até que ponto podemos dizer que o fracasso em um plano (vamos imaginar uma meta de uma sprint ou algo combinado com um cliente) pode ser justificado por estarmos em um ambiente complexo, com muitas variáveis e imprevisibilidade e até que ponto foi incapacidade de planejamento, execução.
Talvez não tenha resposta simples ou talvez tenha e não estou enxergando, mas queria só ver se alguém já pensou sobre isso e se tem algo para orientar minha reflexão…
manoelp
IMHO: Mesmo sabendo das implicações da complexidade, eu nunca usei (e não acho muito legal usar) como desculpa. Contudo o que acho que é algo honesto: Não assumir uma promessa/compromisso de plena capacidade de planejar ou se ser fiel ao plano (artefato estático)…mas é uma visão pessoal. Parece uma coisa boba, mas tenho usado muito o termo “target”. Assumindo que podemos acertar “na mosca” ou errar com alguma proximidade do acerto 🙂
Rafael Buzon
Vamos deixar então a questão dos prazos e compromisso de lado um pouco @manoelp. Vamos imaginar que fizemos um APP e lançamos. O APP não vinga, não está atraindo o público. Neste momento, todos fazem uma retrospectiva. E numa retrô procuram saber o que poderia ter sido melhor, assumindo que alguma coisa pudesse ter sido feita para evitar esse cenário ou para entender o que podem fazer para estar melhor preparado para o próximo.
Se pudéssemos reunir todas as decisões tomadas por aquele time durante o período de desenvolvimento, as ações realizadas, as conversas, o processo de concepção, de forma oniciente 🙂 , constataríamos que, segundo nossa análise, o usuário (persona) poderia ter sido melhor entendido, não assumindo algumas premissas de forma precipitada, incorrendo na não aceitação do produto inicial.
Qual das respostas abaixo soa melhor na opinião de vocês. Ou qual seria uma análise melhor, pegando elementos das alternativas abaixo e da sua própria opinião?
a) Totalmente aceitável: Mesmo que o processo de ideação inicial tenha sido um pouco negligenciando, não é possível acertar sempre e ter certezas, sendo que precisamos ir o quanto antes para produção com a hipótese que tivermos e avaliar o feedback real do usuário. O time precisa somente se preocupar em ser o mais rápido que puder para lidar o quanto antes com os problemas.
b) Aceitável: Faz parte do contexto complexo o grau de maturidade do time e mesmo podendo ser um time menos experiente, que erre alguns conceitos que poderiam ter sido previstos por um time mais senior ou experiente, isso faz parte da complexidade, aumentando as incertezas sobre os resultados. É um contexto em que será necessário trabalhar mais na capacitação do time, entretanto.
c) Ruim: Mesmo o produto inicial tendo sido pequeno, gastaram um bom tempo em cima de uma premissa errada que poderia ter sido melhor trabalhada de início. Isso não tem haver com complexidade, mas com o contexto -complicado-, pois era possível prever, com a ajuda de uma pessoa mais especialista, que isso não daria certo.
manoelp
Acho que a resposta pode ser enviezada nesse grupo, mais eu iria de opção A 🙂
Principalmente, mesmo pela perspectiva que vc apresentou (business). Aí que tem realmente incertezas. Então eu iria de A ou B
Rafael Camargo
Seria a opção A com a explicação da B
manoelp
Por exemplo, já tive experiência, como empresário, em área totalmente foda de TI (área de alimentação). Segui toda a cartilha de planejamento detalhado do SEBRAE e da ABF (Associação Brasileira de Franchising) e ainda assim, tínhamos muitas surpresas nos resultados de nossos produtos.
Mas de fato é uma situação chata. Perde-se dinheiro. A pergunta é: Poderia ter evitado essa perda de dinheiro com mais capacidade de planejamento e execução? Eu acredito que não 🙂
Rafael Camargo
Certa vez fiz um BMC com o livro do lado, blogs de coachs aberto pra dicas,personas, histórias mais lindas que o senhor dos anéis… Sauron ganhou, não rolou. Fica uma dicotomia entre seguir tudo para ter uma evolução no aprendizado, e atingir o real valor necessário. Algumas vezes ficava claro que “etapas”poderiam ser “puladas”, mas em prol de fazer bonito, com todos juntos, seguimos a sequencia
Rafael Buzon
Legal @manoelp e @rafajagua . Mas no caso de vocês, vocês sabem que fizerem o melhor possível e provavelmente foi a complexidade do cenário que agiu.
No caso do exemplo, houve uma negligência nessa análise inicial…. minha questão seria agora… é possível constatar a complexidade somente depois de tirarmos a possível negligência ?
Rafael Camargo
Acho que depende de como se olha. Era complexo, mas de repente um insigth, uma ideia mais bem explorada poderia ter dado um resultado diferente. Como era consultoria, falhar dó muito né…..mas falhou e faz parte
Rafael Buzon
No seu caso @manoelp, você foi vítima das incertezas e talvez não seria possível prever… Meu ponto é… sabemos que no exemplo houve um relaxo na análise inicial… “no exemplo que eu dei”
Rafael Camargo
Certo
Rafael Buzon
se falarmos que tudo é complexo, nao importaria o jeito / como faríamos. Basta fazer de qualquer jeito e depois ir aprendendo com o cenário complexo (só provocando!)
Rafael Camargo
Sim
manoelp
Acho que não precisa ser assim. Até mesmo.. o PDCA foi inventado para isso.
Rafael Buzon
é esse limiar que estou procurando @manoelp
Rafael Camargo
acho que não tem Buzon
Rafael Buzon
🙂
manoelp
se fosse no caos.. eu partiria para uma abordagem #NoPlanning
Rafael Camargo
A gente aceita a falha e recomeça. Se nesse caso tem um ponto claro de melhoria, na próxima bora tentar melhorar nesse ponto.
manoelp
Mas na complexidade… Eu controlaria uma dosse saudável de hipóteses. Mas reconhecendo isso, que são especulações, e não posso mudar isso até que o fato ocorra.
Rafael Camargo
Não sei seu cenário, se o ambiente é seguro a falha. O meu não era, deu zica, quando o método é feito bonito e da merda, a culpa cai na pessoa. tivemos de rebolar bem rebolado no caso.
manoelp
Mas seu ponto é valido, Buzon. No geral. As pessoas preferem pecar pelo excesso do que pela falta. É igual dimensionar a quantidade de comida para uma festa/evento. Você sabe sabe que vai errar e que vai perder dinheiro. Então vc compra uma quantidade de comida superior ao que precisa. Se isso é uma abordagem intelligente, é outra discussão. Mas as pessoas ficam mais tranquilos em saber: Tem comida para caralho! Mesmo sabendo que vai estragar kkkk
Rafael Camargo
ahuhuauhauha, bem por aí
Rafael Buzon
boa!
manoelp
situação igual a “plano”
Rafael Camargo
como disse, no cenário que passei, a ideia era seguir tudo tim tim por tim tim e se deu zica, foi a capacidade de execução.
manoelp
vd sabe que vai falhar… mais seu cagaço diminui pois “pelo menos tem um plano”. Algo nessa linha kkk
Rafael Camargo
Não foi uma experiência lá muito boa, mas como aprendizado pra vida valeu bem
Rafael Buzon
Eu estava mais na linha de incluir ou não a capacidade do time dentro da complexidade… A questão talvez seja que não sabemos o que as pessoas não sabem, certo? Daí a composição do time também é complexa. Nunca será possível pecar pelo excesso no meu exemplo, pois nunca se saberá tudo, nunca será suficiente e mesmo pensando que fizemos o melhor, desconhecemos o que não fizemos por não saber que existia. 😀
manoelp
yeah
Rafael Buzon
Só que uma vez aprendido, aquele ponto passa a não ser mais do domínio complexo, certo?
Rafael Camargo
Talvez. Executar o aprendizado pode ser complexo, ainda mais que nunca temos um cenário exatamente igual ao outro
Rafael Buzon
Eu posso justificar usando complexidade até o ponto em que nós, como organismos, entendemos aquele comportamento.
entendi @rafajagua
manoelp
um ponto: para permitir um ownership sobre a falha, prefiro assumir ao assim: não tive a capacidade para lidar com as incertezas e surpresas no meio do caminho.
Gosto de pensar assim, para não culpar a complexidade e ter pontos “de ação” para melhorar a forma de atuação, pois pode ser cômodo e passivo responsabilzar a complexidade. Seria algo falar algo tipo “Culpa da Dilma” kkkk
Rafael Buzon
🙂 Certo. Mas algo tem que ser concreto, pois se tudo for relativo, nao há razão para buscarmos aprender continuamente. Na linha do que o @rafajagua estava colocando.
manoelp
Eu já comentei que parei deliberadamente de estudar sobre a complexidade pois eu estava ficando deprimido? Comecei a pensar: para que raios vale a pena viver?
Experimenta ler Edgar Morin. Vc vai ver: Estamos fud**! kkkk É igual aquele personagem do Jurassic Park 1, aquele que falava que tudo era caos kkkkk
Matheus Haddad
Colocar a culpa na complexidade por uma coisa que não deu certo é igual culpar o mundo quando você não consegue realizar alguma coisa.
A compreensão de um cenário complexo só acontece em retrospectiva, como sabemos. É com a visão do presente e com base nas experiências e resultados passados, é que podemos compreender as razões pelos resultados que obtivemos.
Para lidar com a complexidade é preciso ter uma abordagem não-determinista na forma de agir. PDCA, ciclos curtos de feedback, conhecimento e experiências passadas ajudam no processo… Mas nenhuma dessas coisas são garantias de resultado positivo.
Rafael Buzon
vlw @matheus. Mas se nenhuma prática destas é garantia de sucesso, posso dizer então que mundo é culpado por eu não conseguir alguma coisa, como você colocou, certo?
Se não existe determinismo num contexto, como separar incompetência da incerteza inerente do caminho? (ficou profundo agora)
Rafael Camargo
mas é bem justo
Matheus Haddad
Claro que não. A culpa sempre é nossa que fomos menos competentes do que as outras pessoas que concorrem conosco em busca de sucesso nessa complexidade.
Rafael Camargo
mas pense: a culpa é sempre nossa, que diferença faz então? Manja a filosofia doida…
Matheus Haddad
Aqueles que estiverem mais preparados, que conseguirem ver melhor como as coisas se conectam, que conseguem antecipar relações de causa e efeitos que não são tão claras, vão se sair melhor num ambiente complexo.
Rafael Camargo
Buscamos fazer o melhor, pelo propósito e pela masteridade.
Nem sempre Matehus. Black swans e outros efeitos estão ai… Onde, às vezes, nem sempre fazer o melhor, da melhor forma, garante…
Matheus Haddad
Sim. Mas é isso que torna o capitalismo mais suportável: é justamente a pluralidade dos critérios de julgamento, a existência de um número incontrolavelmente grande de caminhos para o sucesso (e para o fracasso) que todos tem acesso.
Rafael Camargo
Suportável é uma boa definição 🙂
O maior problema que eu via era: Trabalhei muito tempo em consultoria, e na maioria delas não tem abertura para erro, uma falha representa a perda de um projeto, que pode representar demissão direta. Logo, a tolerância era baixa. Algumas iniciativas eram pautadas para seguir a risca uma linha (seja um método ou não) para garantir a qualidade. E quando uma falha acontecia, avaliar se a aderência ao método foi um fator, era uma das primeiras coisas
Rafael Buzon
peguei a ideia @matheus
Rafael Camargo
Logo, vc não tinha: a) permissão para falhar b) tempo hábil de treino para maturidade (falhou uma vez, já era). Se o treino e repetição são o caminho para masteridade, numa situação daquela, era bem complexo, por isso que vejo na aleatoriedade uma resposta a muita coisa
Matheus Haddad
Legal, @rafajagua. Esse é um bom exemplo de uso de uma abordagem incompatível com a realidade das coisas. Nos casos que dão certo, que as pessoas conseguem alcançar um bom resultado, dizem que é por conta do plano que fizeram ou da estratégia que escolheram de antemão. Isso não é verdade. Provavelmente, o sucesso está mais ligado à agilidade das pessoas, ao alinhamento de nexos causais do contexto e a outras coisas que não temos nem ideia que deve estar influenciando!
A conversa foi ótima até aqui, mas paramos para continuarmos depois em algum bar. 🙂 Alguns destaques que levo para mim:
- A inesperiência de um time faz parte das variáveis de um contexto complexo e influenciam os resultados;
- O que fará um time mais bem sucedido que outro é sua capacidade de evitar erros previsíveis, ter sensibilidade para sentir o contexto se antecipando e adaptando aos feedbacks que coletar pelo caminho;
- A complexidade não é e não pode ser usada como desculpa;
- Não é necessário se desculpar, de fato, por abordar o contexto como se deve abordar, ou seja, experimentando e errando para aprender e progredir;
- Somos incompetentes na Complexidade até que se prove o contrário 🙂
Obrigado pela discussão mais uma vez pessoal! Até a próxima.
Imagem: lifehacker.com