Gestão sem Gerentes: 10 perguntas respondidas

Este conteúdo é minha primeira ação estruturada para começar a entender as bases e as periferias da Gestão sem Gerentes e vou começar entrevistando uma pessoa de destaque na comunidade ágil e que conduz sua empresa, a Webgoal, utilizando os conceitos que prega: Matheus Haddad.

Para aproveitar melhor este post, é importante você assistir à apresentação do Haddad feita no DevCamp 2016: Aqui. A maioria das questões que fiz a ele se baseiam em trechos desta apresentação.

As questões foram apresentadas contextualizando meu raciocínio, ao invés de simplesmente ir direto ao ponto e agradeço a disposição do Matheus em respondê-las de forma generosa.

Vamos lá:

buzOn: 1) Uma das primeiras questões que me veio à mente é se não precisaríamos discutir mais sobre ter gerentes melhores antes de partir para não ter gerentes. Não seria uma hipótese válida pensar que o gerente e suas habilidades técnicas e comportamentais não acompanharam a mudança da natureza do trabalho e que precisamos hoje atualizá-las? A Gestão 3.0 do Jurgen Appelo já não seria uma iniciativa neste sentido, sem precisar excluir o papel formal do gerente?

Haddad: Sim, seria uma hipótese válida. Também vejo o Management 3.0 como uma abordagem de transição interessante.

Entretanto, independente da abordagem de transição, é necessário que ela consiga mudar a estrutura de poder e as regras e condições de ganho de capital social dentro da empresa. Se isso não acontecer, o Management 3.0 e outras abordagens de transição do modelo de gestão servirão apenas como instrumentos de manipulação ou de reforço da ilusão de que um dia as coisas irão mudar nas relações de poder entre as pessoas que realizam o trabalho.

As mudanças da natureza do trabalho, das características do trabalhador e do contexto do mercado mostram uma tendência de não precisarmos mais de gerente, porque habilidades técnicas e comportamentais dos gerentes foram estabelecidas para outro tipo de trabalho, outro tipo de trabalhador e outro contexto de mercado.

É como comer uma sopa com garfo: não adianta melhorar o garfo ou trocar o prato. O problema é conceitual. Uma coisa não combina com a outra.

 

buzOn: 2) Como você avalia o caso da Holacracia na Zappos, ainda sem sucesso divulgado e com expectativa de ter uma adaptação em somente 5 anos, com a ideia de que trabalhar sem gerentes é algo mais natural do ser humano? Se é algo mais próximo da natureza das pessoas, por que haveria tanta resistência também em voltar ao natural? Seria somente por causa da cultura tradicional?

Haddad: Vejo a Holacracia também como um modelo de gestão de transição, porém um pouco mais focado na estrutura organizacional do que o Management 3.0 e mais preocupado em determinar como deve ser a estrutura de comunicação entre as pessoas.

Independente do modelo de transição, vejo que a dificuldade das pessoas em se adaptarem a modelos assim decorre de duas coisas: formação cultural e percepção do mundo do trabalho.

A questão cultural engloba desde aspectos base como o tipo de colonização que o país passou (exploração, escravidão, religião, sistema político, etc) até o sistema educacional. Como sabemos, a escola é determinante para o comportamento das pessoas no trabalho.

Sobre a percepção do mundo do trabalho, fomos muito influenciados pelo Taylorismo / Fordismo e por sua abordagem de gestão. Aqui no Brasil, o governo Getúlio Vargas criou a CLT e trouxe um viés paternalista para as relações de trabalho e uma forma socialista/comunista de pensar sobre o modelo de gestão das empresas (a administração científica de Taylor é bastante compatível com a estrutura centralizada de poder do comunismo).

Outro ponto que pode ser considerado é a falta de experiência das pessoas em outros modelos de gestão: é preciso vivenciar para compreender as diferenças fundamentais. Para fazer uma analogia, é semelhante a dificuldade que teria um animal que nasceu em cativeiro para voltar e se adaptar à vida na natureza.

De qualquer maneira, fora da empresa, em situações cotidianas (como organizar uma festa ou uma viagem) ou no trabalho voluntário em grupos de interesse, o comportamento natural do ser humano aflora como mais facilidade. Nesses outros contextos, é possível observar a natureza do ser humano sem as influências do ambiente empresarial e das relações de poder existentes no mundo corporativo.

 

buzOn: 3) Bem legal a parte em que você diz que nos sistemas complexos, precisamos de agentes também complexos para interagir e solucionar!  As empresas do conhecimento não deveriam ser máquinas e não devem se estruturar como um conjunto de peças isoladas para compor uma entrega final. O resultado é maior que a soma das partes devido à complexidade do trabalho e a interação entre os agentes. Entretanto, não sei se é válida a comparação com outros seres vivos na natureza, por 2 motivos: 1) As ações de um grupo de abelhas ou formigas, por exemplo, é determinado. Instintivo. Estes insetos não tem a opção de escolher fazer diferente do que sua natureza determinou e 2) a natureza do que fazem os insetos é no máximo complicada. Logo, usar uma metáfora de insetos na natureza pode ilustrar um sistema complicado feito de forma auto-organizada, mas em que esta auto-organização é algo que não poderia ser diferente, devido ao determinismo natural dos agentes. O que acha?

Haddad: A comparação com seres vivos irracionais serve apenas para ajudar outras pessoas a compreenderem o potencial do trabalho orgânico. Não são exemplos com semelhança compatível ao que acontece entre os seres humanos. São úteis porque sabemos que os seres humanos possuem capacidade racional maior do que esses seres vivos, mas muitas vezes usamos esquemas de trabalho pior do que as formigas e as abelhas.

Concordo que formigas e abelhas, por exemplo, são “controladas” por seus instintos naturais. Entretanto, a sua forma de comunicação (bastante transparente e baseada em movimentos, odores e hormônios) é tão sofisticada que cria o aspecto complexo de suas realizações. Essa forte ligação entre os agentes de um formigueiro ou de uma colméia em conjunto com os instintos cria esse comportamento sofisticado de auto-organização que observamos.

Um ser humano, além do instinto de sobrevivência, teria condições racionais e liberdade natural (livre arbítrio) para ser um agente ainda mais capaz (conhecimentos, habilidades, tecnologia e a possibilidade de aprender) de realizações do que uma formiga ou uma abelha. Uma premissa base para isso seria conseguir uma ótima comunicação entre as pessoas (muito transparente e baseada em conversas, observações e alinhamento de visão e propósito).

Quanto à natureza simples, complicada e complexa das coisas, lembre-se que isso só existe e faz sentido para humanos, justamente porque somos racionais e precisamos escolher a melhor forma de agir de acordo com o tipo de problema que enfrentamos durante as nossas vidas. Um inseto não teria essa escolha.

 

buzOn: 4) Quando você traz o exemplo de auto-organização para os serem humanos, como na decisão sobre qual lugar ir almoçar, vemos outro exemplo de natureza simples e não complexa. Posto que todos querem almoçar e que também todos querem estar juntos no almoço, a decisão vai obedecer simplesmente a um conjunto de restrições alimentares dos indivíduos (como alergias e preferências) e as opções de restaurante num raio em que seja possível ir e voltar no tempo disponível. Não estou dizendo que no complexo não haja ou não deva haver a interação e a auto-organização, mas que os exemplos dados não ilustram exatamente o que se quer passar em primeiro lugar. Em outras aplicações cotidianas, como na organização de um casamento, o que vemos acontecer, muitas vezes, é exatamente o oposto: a formação de uma hierarquia de comando e controle da noiva 🙂 Quando organizamos nosso casamento, por exemplo, minha esposa e eu centralizamos todas as decisões e decidimos boa parte dos detalhes, músicas, decoração, ambientes e os fornecedores contratados respondiam pra nós. Não vejo (pelo menos não com a minha esposa 🙂 ) como a organização do casamento pudesse ser de outra forma (ou até se deveria ser de outra forma). O que acha?

Haddad: Gostei desta pergunta porque suas afirmações tentam tornar simples o que é complexo.

Por exemplo, almoçar juntos pode envolver diversas nuances num grupo de pessoas. As relações sociais estabelecidas entre as pessoas do grupo determinam o restaurante a ser escolhido. E relações sociais são complexas. O grupo vai almoçar no restaurante que não seja o muito caro para um determinado integrante, que seja da preferência da pessoa mais admirada ali, que tenha o ambiente mais adequado para uma conversa importante que o grupo precisa ter naquele momento ou que simplesmente foi a sugestão do líder situacional daquele grupo. As restrições podem ajudar a lidar com esses aspectos sociais complexos, mas continuam sendo restrições: podem ser “desobedecidas” se necessário.

No casamento é muito semelhante. A relação social entre você e a sua esposa estabelece também a relação de poder nas escolhas das coisas para o casamento. Você entende que o casamento é um sonho para ela, entende que amigos e familiares esperam que essas decisões sobre a festa sejam dela, entende seu papel de noivo como coadjuvante desta comemoração, etc., então a sua noiva será para você um líder situacional para esta ocasião. Entretanto, passado o casamento, em uma outra questão você pode assumir essa posição de liderança, dado que o poder não é formalmente estabelecido e fixo nessa relação. Terá momentos em que vocês dois exercerão a liderança ao mesmo tempo (apenas no contexto empresarial tradicional temos a regra de ter apenas 1 pessoa como líder).

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Por fim, a relação de cliente-fornecedor que vocês estabeleceram com os fornecedores do casamento é diferente porque os propósitos e objetivos são diferentes, apenas tem um ponto em comum: realizar o casamento.

 

buzOn: 5) Sei que as metáforas nunca são perfeitas, mas outra questão que pode ser observada na auto-organização ao decidir em qual restaurante almoçar é a seguinte: muitas vezes, num grupo de 6 pessoas que sempre saiu para almoçar junto, duas não concordavam com a escolha da maioria e resolvem almoçar em outro lugar. Aqui vemos o interesse pessoal (ou de um subgrupo) que pode se sobrepor ao interesse da maioria e, neste caso, há uma ruptura de um propósito comum. Neste contexto, o subgrupo menor poderia se separar e se auto-organizar para construir uma outra solução, diferente dos outros? E como isso aconteceria na prática com o cliente e com a gestão dos custos envolvidos? Eu entendo que os profissionais devam ser adultos e que devam considerar as implicações das decisões que tomam, mas o que acontece quando os envolvidos não estão enxergando os impactos ou mesmo se há certa resistência (rebeldia). E uma pergunta que pode estar associada a esta questão: você vê a necessidade de coaches aos quais os indivíduos possam recorrer?

Haddad: As metáforas não precisam ser perfeitas, mas sim úteis para facilitar a compreensão de algo.

Objetivo e propósito são do grupo de pessoas e devem estar alinhados, preferencialmente, aos objetivos e propósitos dos indivíduos. Se faço parte de um grupo preciso demonstrar isso através do meu comportamento e das minhas atitudes alinhados aos objetivos e propósitos do grupo. Uma ruptura nisso significa uma ruptura com o próprio grupo.

A autonomia de um integrante do grupo “significa fazer o trabalho que precisa ser feito da maneira que você acredita ser a melhor, considerando o impacto e as consequências dessa escolha na atuação das pessoas que trabalham com você, no negócio da Webgoal e no negócio do nosso cliente” (trecho da definição de autonomia da Webgoal). A autonomia existe no limite das relações entre pessoas que trabalham juntas, respeitando o objetivo e propósito definidos para uma equipe.

Se existem exageros por parte de algum integrante, a equipe deveria ter o poder de expulsar ou demití-lo.

A presença de coaches, mentores e facilitadores é sempre bem vinda. A empresa também deve ser um local onde as pessoas têm a oportunidade de se tornarem seres humanos mais evoluídos (além da convivência na família e na igreja, por exemplo, onde elas passam muito menos tempo do que na empresa). Qualquer ação que torne um agente racional melhor e intensifique suas relações com outros agentes contribui para a melhoria do sistema como um todo.

 

buzOn: 6) Quanto mais sinapses cerebrais e conexões, melhor, mas na mesma metáfora também é possível ver um sistema de controle central em que, apesar dos órgãos terem certa independência, todos se ligam ao sistema central. Nosso corpo é um exemplo de órgãos autônomos em algum sentido, mas com um gerentão que está na cabeça. A metáfora ainda se encaixa no contexto de gestão sem gerentes?

Haddad: A metáfora do cérebro é uma das melhores que já encontrei. A forma como os neurônios trabalham juntos por um objetivo compartilhado e sem a presença de neurônios “gerentes” reflete muito a natureza dos sistemas complexos adaptativos.

O cérebro não é o “chefe” dos outros órgãos. Não determina COMO cada órgão deve atuar. Cada órgão tem objetivos e propósitos diferentes e são autônomos. Está muito mais para uma relação de simbiose (ou parcerias entre empresas). Eles possuem uma comunicação muito boa, que acontece pelo sistema nervoso central (talvez daí decorra a importância do cérebro e sua conotação de “chefe”), pelo sangue (talvez daí decorra a importância do sistema circulatório e do coração) e pelos hormônios (que estimulam e sincronizam as atividades dos órgãos). Não vejo o cérebro como “gerente”, mas apenas como um órgão que tem capacidades específicas e que colabora com os outros órgãos. Cada órgão tem a sua importância e todos colaboram mais ou menos para o bom funcionamento do corpo e a manutenção da vida.

 

buzOn: 7) Você vê ou já viu acontecer, nos contextos sem gerentes, um líder informal, que tenha um perfil forte, ser uma referência constante e não somente situacional? Isso é ruim?

Haddad: Sim, já vi isso acontecer. Aconteceu comigo mesmo, no início da Webgoal, quando atuava como ScrumMaster. Foi esse fato que me chamou atenção para o principal objetivo de um ScrumMaster: tornar-se desnecessário, seja como facilitador seja como líder situacional.

Por isso, é importante que se crie condições para que a liderança possa ser exercida por outras pessoas. Muitas vezes isso significa dar espaço, ausentar-se, omitir-se. Outras pessoas não irão se desenvolver se não encontrarem oportunidades de exercer a liderança também.

A liderança é um fenômeno social, acontece entre pessoas. É preciso trabalhar nas dinâmicas de interação entre as pessoas para que elas possam encontrar oportunidades de exercer a liderança.

 

buzOn: 8) O fato das soluções de hoje, na Era do Conhecimento, precisarem de interação entre os indivíduos e não uma receita prescrita, não é sozinho o fator que justifica não precisar de gerentes. Seria como se todo corpo de conhecimento do gerente se resumisse em especificar o trabalho e microgerenciar. Não seria interessante, logo, deixar claro a separação do que são melhores estruturas para concepção e descoberta de produtos e as responsabilidades específicas de gestão?

Haddad: A função de um gerente é coordenar o esforço humano para que a empresa possa alcançar seus objetivos. Essa atuação é justificada na crença que as pessoas não conseguem fazer isso sozinhas ou de não terem capacidade para tal e também para suportar uma estrutura de poder para garantir o comando e controle de todo o trabalho. Além disso, parte do pressuposto que o gerente tem capacidade para isso e pode ser responsabilizado caso os objetivos não sejam alcançados.

Se as pessoas desenvolvessem suas capacidades de coordenar o trabalho (quando usam um kanban estão fazendo isso, por exemplo), tivessem acesso aos dados e informações, conhecessem as estratégias do negócio e tivessem oportunidades e autonomia para fazer o mesmo trabalho que um gerente faz, não tenho dúvidas que a gestão seria melhor.

A presença do gerente é sinal que isso não acontece desta forma. Logo, a gestão precisa ser centralizada em quem tem esses “super poderes”, ficando limitada à capacidade de poucos gestores.

 

buzOn: 9) Você comenta no vídeo que o foco não seria mais na conexão entre processos, mas na conexão entre pessoas. Mesmo assim, para potencializar as interações humanas, não deveríamos ter alguém preocupado com isso? Esta pessoa, talvez, fosse uma versão mais desejada de um gerente? Um Gerente de Conexões? 😀

Se você conhece a série de Dr. House vai lembrar da figura importante do House no processo de diagnóstico, fomentando conflitos entre os integrantes da equipe, divergindo e convergindo, definindo experimentos, etc… (descontando a parte politicamente incorreta dele)

Haddad: Definir de maneira ideal as etapas de um processo e trabalhar nas conexões entre essas etapas parte do pressuposto que você já sabe o que deve ser feito. Logo, é uma abordagem que o objetivo principal é buscar eficiência.

Hoje sabemos que o principal desafio é ser eficaz. Por isso, precisamos de métodos que nos façam aprender o trabalho a ser feito enquanto fazemos o trabalho. Tudo para conceber o produto que funciona, o que cria valor. Como não tem processo que traga essa garantia de eficácia, precisamos trabalhar nas relações entre as pessoas e no processo de aprendizado para ter sucesso no empreendimento.

Veja a série com Alisson Vale sobre Eficiência vs Eficácia

A eficiência continua sendo importante, mas agora ela deixa de ser o fim e passa a ser o meio. Avaliar leadtime e outras métricas nos mostram como está a eficiência do trabalho e dá à própria equipe a oportunidade de trabalhar nisso num processo de melhoria contínua.

Um “gerente de conexões” é um facilitador do trabalho. A diferença é que um facilitador não determina como deve ser a relação, mas ajuda a relação se estabelecer entre duas ou mais pessoas (seja ela da maneira que for). Mesmo nesse sentido, o principal papel de um facilitador de conexões é se tornar desnecessário: ele apenas ajuda as pessoas a aprenderem a gerenciar suas conexões, e as conexões dos outros colegas, para que a equipe faça a própria gestão de suas conexões. Durante esse processo, algumas pessoas acabarão se tornando líderes situacionais para essa questão e ajudarão a própria equipe em problemas futuros de conexão.

Vejo o Dr. House como um líder situacional. Alguém que toma a frente para resolver o problema de diagnosticar um problema de saúde excepcional. Alguém que a equipe confia para fazer isso porque vê nele capacidade, experiência e conhecimento legítimos. Alguém que facilita a colaboração entre os integrantes da equipe para resolver um problema sem solução conhecida (nem o House conhece a solução). Por outro lado, ele conta com uma posição de poder (chefe do departamento) e um ego um tanto quanto inflado que não permite que outras pessoas atuem como ele (de onde nascem os conflitos com a equipe e com a direção do hospital). A Cuddy vive fazendo o papel da facilitadora nos episódios da série para ajudar a equipe a superar esses obstáculos.

 

buzOn: 10) No extremo do conceito, qual o papel das empresas? Existe uma visão de futuro em que devemos esperar que as pessoas se organizem em empreendimentos temporários desassociados de uma instituição?

Haddad: Uma empresa é um grupo de pessoas que estão trabalhando juntas por um mesmo propósito para alcançar objetivos que sozinhas não conseguiriam e para obter benefícios coletivos e individuais nessa empreitada.

Temos a ideia de uma empresa como algo perene, que deva existir por muitos e muitos anos. Essa visão está muito ligada ao que deseja um acionista de uma empresa – um investimento que tem um excelente retorno e de longa duração – e também a visão de estabilidade de um trabalhador do início do século XX. Por outro lado, as pessoas que estão trabalhando hoje numa empresa buscam realizações durante a vida, e em cada momento da vida buscam realizações diferentes. A conciliação destas visões faz com que as pessoas trabalhem numa empresa mas também se envolvam em outros empreendimentos fora do trabalho. Também faz com que as empresas criem diversas iniciativas para manter as pessoas unidas em prol de um objetivo compartilhado que sozinhas não conseguiriam alcançar.

Em última análise, uma instituição é só um grupo de pessoas, que compartilham de um conjunto semelhante de crenças, tentando fazer algo juntas por um determinado tempo.

BONUS:

buzOn: 11) Vamos imaginar que estamos em uma comunidade agrícola do interior de Minas Gerais e resolvemos criar uma ponte para atravessar um riacho. Provavelmente acontecerá uma auto-organização dos moradores, aparecerá uma liderança informal situacional para este empreendimento, um sistema de comunicação vai emergir; o grupo vai aprendendo sobre o que cada um pode ajudar, etc… Seria um exemplo de auto-organização sem gerentes, certo?

Haddad: Sim, desde que exista nessas pessoas as capacidades, conhecimentos e informações necessárias.

 

buzOn: (continuação) Agora vamos colocar uma restrição de tempo muito forte e curta. Vamos imaginar que se não construirmos a ponte até a data X, nós iremos morrer (aqui você pode colocar um motivo legal. Eu gosto de pensar em alienígenas que não sabem atravessar pontes). Neste contexto eu fico imaginando se não aparecerá uma estrutura hierárquica para garantir os prazos. Talvez aquele líder informal, que tem mais conhecimento sobre engenharia, nomeie uma ou duas pessoas de sua confiança, que conheçam um pouco mais sobre pontes, delegando a elas uma parte da obra. Alguns membros que conhecem menos sobre obras acabam ficando somente na execução das atividades mais simples. Alguém começará a cuidar do controle das ações para avaliar se dará tempo e o líder cuidará para que não estejam esquecendo de nada, para não incorrer no risco de chegar próximo da data e não estarem prontos. Meu ponto é: a restrição de tempo muda alguma coisa na estrutura, exigindo mais gestão e até um gerente formal? O exemplo da ponte é mais do domínio complicado do que complexo, mas o mesmo posso ver sendo aplicado à uma startup que precise lançar um produto que traga retorno logo, para pagar o salário de todos.

Haddad: A restrição de tempo decorre de uma necessidade ou de uma oportunidade. Assim, realizar algo até determinado prazo torna-se um problema ou desafio para quem irá realizar o trabalho. Logo, podemos ter um líder situacional que guie as pessoas na busca de uma solução para esse problema de prazo.

Como a liderança é um fenômeno social e existem diversos problemas que um grupo de pessoas pode enfrentar ao mesmo tempo, podemos ter diversos líderes situacionais atuando juntos.

A questão da hierarquia não é ruim. Muito pelo contrário: é natural e ajuda muitas espécies a sobreviverem no mundo. A hierarquia é um atributo natural nas relações humanas e acontece a partir de diversas características: entre uma pessoa mais forte e outra mais fraca, entre uma pessoa mais capacitada em algo e outra menos capacitada, entre uma pessoa mais atraente e outra menos atraente. A diferença entre a hierarquia natural e a hierarquia artificial que encontramos tradicionalmente nas empresas é sua formalidade: na natureza, a hierarquia pode mudar a qualquer momento devido a condições naturais, sem ninguém determinar quando isso deve acontecer. Nas empresas, a hierarquia muda devido às relações de poder e são formalizadas pelas próprias pessoas de acordo com seus interesses.

No caso da Startup, se todos da equipe estão trabalhando porque compartilham do mesmo propósito e buscam os mesmo objetivos, se todos conseguem ver os benefícios individuais e coletivos que podem auferir fazendo parte daquele negócio, se todos têm visibilidade de todos os dados e informações da startup, se todos podem participar do processo de tomada de decisão e podem trabalhar com autonomia e colaboração, então todos compartilharão das responsabilidades do sucesso e do fracasso da startup.


Agradeço muito o Matheus pelas respostas! Em breve poderemos fazer um hangout para dar “voz” a este texto e endereçarmos outras questões que surgiram a partir destas respostas. O assunto, como é de se esperar, é rico e polêmico!

Você pode saber mais sobre o trabalho do Matheus Haddad a partir do seu site http://matheushaddad.comCaso queira aprofundar seus conhecimentos sobre o conteúdo deste texto, recomendo o curso “Gestão Proibida” http://agiletrendsbr.com/gestao-proibida/ ministrado pelo Haddad em parceria com o Agile Trends. 

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