Duas das três luzes da sala de reunião estavam queimadas por causa da tempestade de raios do dia anterior e a sala, apesar de escura, ainda era o melhor lugar da empresa para uma conversa particular.
“Parece que tem desenvolvedor que vai passar os próximos meses corrigindo bugs…” — diz em tom ameaçador o analista senior de qualidade, Davidson, tendo parte do seu rosto iluminada pela única luz da sala.
Iluminado pela maior parte da luz disponível, o desenvolvedor junior diz: “Como assim?” — apenas para testar seu oponente, porque no fundo sabia do que se tratava.
Davidson olha para o Jira, coça a cabeça e constata franzindo que não seria uma negociação fácil para Antônio, o desenvolvedor. E, expirando, solta um longo “então… ” enquanto rola o scroll do mouse eternamente.
Antônio engole seco enquanto Davidson ainda olha para a tela do notebook tentando encontrar o quê sugerir. “Olha só… “ — diz Davidson antes de outra pausa longa. “O máximo que eu posso fazer no seu caso é não dizer nada ao gerente de projetos, mas esses bugs não podem passar para produção, caso contrário eu serei prejudicado”.
Nada aliviado com a colocação de Davidson, Antônio se afunda na cadeira e começa a pensar como resolver a situação antes de ficar exposto ao gerente de projetos (risco que não tinha considerado até então). O desenvolvedor começa a transpirar. Sua testa fica cheia de pontinhos de suor que começam a pingar da sobrancelha. Ele olha de um lado para outro avaliando as opções de trabalhar horas extras ou pedir ajuda ao desenvolvedor senior anti-social. Não chega numa conclusão e começa a pirar. A respiração fica ofegante… olha fixamente para o analista de qualidade senior que olha de volta com uma paz aterrorizante. Até que o silêncio é quebrado…
“A menos que… ” — diz Davidson e faz outra pausa dramática. Antônio está agora com 100% de sua atenção voltada para o que virá em seguida. O coração e a respiração param. “… a menos que eu mude o tipo de alguns desses itens para melhoria ao invés de bug… “. Antônio se agarra neste fio de esperança e diz tímido: “ah é? Dá pra fazer isso?”
Com total controle da situação, Davidson diz: “Dá pra fazer sim. Afinal, o que é um bug se não uma melhoria, não é mesmo Antônio? Os bugs críticos podemos fazer 2 por semana, o que acha?” — Antônio sorri amarelo como se não estivesse acreditando. “Muito obrigado Davidson… nem sei como te agradecer” e se dirige à porta um pouco apreensivo.
Mas quebrando a impressão de que a conversa havia terminado, Davidson irrompe: “Mas…” — Antônio, que já estava segurando a porta da sala prestes a sair, sente o frio voltar à boca do estômago — “…vou precisar de um favor em troca”. Antônio nada diz. Apenas mantém o olhar fixo para fora da sala como se dissesse interiormente ‘tava quase lá’. “Vou precisar que você cubra de testes automatizados todo o legado que temos até agora” — revela Davidson, enfim, sua intenção desde o início.
Voltando o olhar para Davidson e sentindo que fora dos males o menor, Antônio consente sinalizando com a cabeça. “E um capuccino pago da máquina todas as manhãs.” — conclui Davidson. Antônio fecha a cara e sai batendo o pé.
Davidson sorri o sorriso da vitória e chama sua próxima vítima: “Lais, pode dar um pulinho aqui para falarmos, por favor?”