Recentemente respondi um post no grupo Scrum Brasil (facebook) sobre o dilema na relação cliente-fornecedor no que tange escopo aberto e datas incertas nas negociações com um potencial cliente. A questão é mais ou menos assim:
Como dar uma data de entrega ao cliente se estou usando Scrum e Agilidade?
A resposta para esta simples questão ainda está longe de ter sido amplamente respondida na comunidade, principalmente porque são várias as perspectivas de análise e não existe uma resposta única se não conhecermos e definirmos bem o contexto. Este post é mais uma destas tentativas em responder esta questão.
Antes, vamos entender quais ângulos são importantes considerar ao pensar em datas e escopo:
Incerteza do negócio
O Framework Cynefin, na análise da transitoriedade, prevê para o domínio Complexo uma abordagem experimental que privilegia uma atuação divergente dos agentes para só depois, mediante os aprendizados, ser possível uma resposta adequada. Seria a partir da experimentação de vários caminhos diferentes que se entenderia melhor o terreno no qual se está jogando para investir naqueles mais promissores.
Não é meu objetivo explicar o Cynefin neste post, mas o que você precisa saber é que algumas iniciativas se encontram, por natureza ou momento, tão incertas que não é possível atribui-las alguma forma. Muito menos, portanto, será possível uma decomposição em partes menores, tangíveis e estimáveis.
A certeza, portanto, antecede o tamanho, visto que não é possível medir aquilo que se desconhece. Logo, para haver algum tipo de estimativa razoável, se faz necessário, pelo menos, a definição da(s) principal(is) hipótese(s) de solução. Cada hipótese terá seu escopo e seus riscos associados e cada uma dará mais segurança para as hipóteses subsequentes.
Incertezas do caminho
Entretanto, além do risco da efetividade da hipótese, há também, em “tempo de cruzeiro” do projeto, o risco associado ao percurso. É bem provável que uma caminhada de 500km tenha muito mais riscos do que uma volta de 10km. Assim, se você já reduziu as incertezas quanto ao “O QUÊ” fazer e descobriu que o caminho é longo, ainda terá que enfrentar, portanto, as incertezas inerentes ao “COMO” distribuídos por todo o trajeto.
E perceba que ainda nem estamos falando da duração da viagem, mas apenas da quilometragem envolvida.
Saiba mais: Conheça aqui um meio de estimar o tamanho de um projeto de forma probabilística apenas com poucas partes do escopo especificadas.
Incertezas de equipe
Outra variável que atua influenciando as estimativas e a previsibilidade é a constância da equipe. Tanto a constância de permanência das pessoas engajadas na produção, como de seus ritmos de produção no tempo, de acordo com suas senioridades.
Muitas das “fábricas de software” sofrem por não terem uma equipe alocada na pré-venda dos projetos ajudando nas estimativas. Nestes cenários, que ouso dizer serem a maioria, a estimativa fica a critério das habilidades do vendedor, sobrando para a equipe a confirmação ou adequação ao tempo prometido. E, claro, por já terem vendido o projeto e não terem skin in the game (mais sobre isso em seguida), buscarão reduzir os custos colocando profissionais em início de carreira (!).
Nada contra a estratégia de vender caro e ter juniores trabalhando para potencializar a receita. Se estiver funcionando para o seu cenário, ótimo! Aliás, se numa determinada empresa essa abordagem funcionar para a maioria dos casos, pode ser um forte indício de que a natureza de suas demandas são de baixa complexidade e poucas incertezas, facilitando a previsibilidade.
Isso tudo sem contar as questões motivacionais e de engajamento que variam de acordo com o quanto os trabalhadores foram envolvidos na co-criação e outras questões abstratas do propósito organizacional que também influenciarão na confiabilidade das previsões.
Influência do Skin in the Game
Você já deve ter ouvido falar da falsa história do “ventilador e da pasta de dentes“, não? Para uma mesma necessidade, duas soluções completamente diferentes em escopo, qualidade e preço confeccionadas por grupos com e sem skin in the game.
Skin in the game é uma terminologia para referenciar aqueles que também sofrerão as consequência daquilo que sugerirem a outros. Aqueles com skin in the game (vídeo Taleb), no caso da metáfora citada, conseguiram pensar em uma solução simples, adequada, reversível e barata, enquanto que os consultores externos, uma solução cara, intrusiva, fixa e com maior margem a erros.
Assim, apesar de ser possível que uma estimativa aumente ou diminua através análise de uma pessoa ou equipe com skin in the game, essa mudança considerará a perspetiva de alguém que tem algo a perder e a ganhar com isso, potencializando, portanto, a aderência da solução à cultura e ao jeito de trabalho corrente daquele contexto.
Influência do Modelo de gestão e cultura
O que você entende sobre a gestão do trabalho também influenciará a forma como você faz promessas.
Se o estilo empregado na gestão for baseado no determinismo, que considera possível a atribuição certa do tamanho e do tempo aos itens de trabalho, provavelmente você evitará mudanças em busca da execução perfeita do plano. Neste universo, especialistas darão uma boa noção sobre os prazos e uma coordenação forte do trabalho, junto aos executores, minimizará desvios.
Se considerar o trabalho como algo a ser desbravado na busca pela melhor solução, você abraçará mudanças o mais cedo possível para garantir uma tendência ao objetivo almejado. Somente depois de alguns passos e uma clareza no caminho é que será possível estimar a completude da empreitada. Auto-organização focada no objetivo será usado em detrimento de coordenações externas e a presença do cliente ajudará a minimizar desvios e explorar simplificações para equalizar tempo e valor.
Entretanto, hoje você se encontra, na maioria das vezes, em um contexto de cultura híbrida, no qual a agilidade é desejada como se fosse uma linda e irresistível jovem de 17 anos mas que todos acreditam ter alguma DST. Nesta situação, o paradigma tradicional flerta com a agilidade pelo frescor que traz, mas não deixa muitos dos seus valores pelo romance. Aqui você terá uma mescla do pensamento determinístico com alguma intenção de experimentação.
“Agilidade é pra namorar e não pra casar”.
A cultura do cliente
Por fim, mas não menos importante, a cultura do contratante influenciará a forma como você faz as promessas. Mesmo com as suas melhores intenções de ser ágil, se o cliente não quer “entrar no barco” para contribuir com a solução; não quer estar presente; não tem tempo para validações intermediárias; e joga de “má fé” ao exigir coisas que “estavam implícitas” no escopo, o seu comportamento como fornecedor, que é a parte mais suscetível nesta relação, será o de se proteger atrás de uma trincheira de documentações.
Os principais impasses talvez sejam com aqueles fornecedores que querem “vender” o jeito ágil de se trabalhar (até como sendo um diferencial) e, apesar do discurso dar certo e ser até desejado pelo cliente, na prática, a entropia das partes fará com que tudo caia no que sempre foi: um controle do escopo mediante change-requests mas com alguns termos “moderninhos”.
…e a data de entrega?
Até agora vimos alguns dos principais fatores que influenciam e tornam o trabalho de previsão da duração algo difícil, quando não, esotérico. No próximo post falaremos algumas abordagens sobre como obter a famigerada data de entrega e os contextos nos quais se aplicariam, considerando estes influenciadores.