Muita Agilidade

É uma terça-feira comum. Marcos acorda ansioso, pois hoje precisará acionar o fornecedor de software para comunicar uma mudança não prevista no plano inicial. Ele sabe o quanto foi investido nas longas reuniões iniciais de especificação, prototipagem e documentação do projeto. Foram 3 meses imersos que geraram 400 páginas com os detalhes do sistema e outras várias apresentações simulando o avanço das telas e a interação com o usuário.

Marcos também sabe e foi alertado que qualquer mudança no projeto, por menor que fosse, teria um impacto considerável. Primeiro porque precisariam marcar uma reunião sobre a mudança com as pessoas-chave. Segundo, porque, caso a mudança fosse realizável, toda a documentação precisaria ser atualizada; os técnicos precisariam avaliar o impacto da mudança no sistema já construído; e os custos associados a todos estes esforços precisariam ser registrados para inclusão na fatura do projeto.

Não seria um dia fácil. Primeiro Marcos teria que convencer alguns dos seus chefes sobre a real necessidade da mudança. Já tinha alguns slides preparados para isso. Depois, precisaria preparar a reunião com o fornecedor do software e… “opa… espera um pouco!” — pensou Marcos consigo mesmo como se tivesse caído em si naquele instante. “Nosso fornecedor de software mudou recentemente. Como pude me esquecer disso?” — continuou pensando Marcos enquanto sentia a grama ficar mais verde no canteiro central. “E este novo fornecedor trabalha com metodologias ágeis, que abraçam mudanças como a coisa mais natural do mundo!!” — recordava ele tendo a sensação de que 18 elefantes saíram de suas costas. No semáforo sentiu-se tão agradecido que até deu uma esmola generosa ao mendigo que lhe agradeceu chorando.

Chegando ao trabalho, Marcos logo enviou um e-mail ao novo fornecedor explicando a mudança que precisaria no sistema e depois de 30 minutos recebeu a resposta sugerindo uma video call para às 15h. “Olha como são ágeis!” — pensou ele entusiasmado em trabalhar nesse novo paradigma de gestão. “Por que o mundo nunca foi assim?” — refletia ele consigo.

Às 15h horas Marcos acessou a videoconferência empolgado em trabalhar com pessoas diferentes e aguardou até às 15h10 esperando todos acessarem o sistema. Ele iniciou a reunião dizendo o quanto sentia em ter que mudar o escopo do projeto mas adicionou que a mudança era muito importante. Jonas, seu contato no fornecedor, diz em tom amigável: “Não tem problema nenhum Marcos. Aliás nós acreditamos que se não estivermos mudando frequentemente, estamos indo para o caminho errado” — o que confortou Marcos profundamente e reforçou suas expectativas sobre a agilidade. “Você não sabe como fico feliz em ouvir isso Jonas… o que precisamos fazer agora? Eu te passo os detalhes por e-mail?” — dizia Marcos já querendo se mostrar útil em dar o próximo passo.

Jonas se mostra solícito e diz: “Claro, você pode mandar os detalhes da mudança por e-mail sim, mas você já fez uma análise à luz da agilidade sobre essa sua solicitação?” — Marcos se surpreende, pois não sabia do que Jonas estava falando. “Creio que não Jonas, eu sou novo nesse assunto. Você poderia me orientar?” Jonas: “Claro. Vamos lá. Eu tenho um check list aqui”. Marcos: “Ótimo!”

Jonas: “Primeiro vamos perguntar por quê, cinco vezes, até chegarmos no motivo principal de sua solicitação, ok? Vamos lá, por que você precisa disso?”

Marcos: “Na verdade foi o meu diretor que tinha esse desejo desde quando planejamos o sistema. Só que eu não me lembrei de colocar na especificação”

Jonas: “Ok. E por que seu diretor precisa dessa nova funcionalidade?”

Marcos: “Humm, provavelmente porque ele precisa comparar essas informações que estão em lugares diferentes para tomar alguma decisão.”

Jonas: “Certo, mas você não tem certeza né? Saberia dizer por que ele precisa tomar essa decisão específica?”

Marcos: “Na verdade não. Você precisa saber que decisão ele quer tomar?” — adiciona Marcos um pouco intrigado.

Jonas: “Isso. Na verdade precisamos ir fundo no motivo da solicitação para saber se a solução proposta realmente atenderá ao que ele precisa.”

Marcos: “Ah, sim! Mas fique tranquilo que meu diretor trabalha com isso há 20 anos. Tenho certeza que ele sabe o que quer.”

Jonas: “Humm. Na verdade Marcos, o que temos visto é que o cliente nunca sabe o que quer. Ele também não tem como saber todas as opções possíveis para atender ao que ele precisa. Pode ser que encontremos uma solução mais simples para ele tomar essa decisão e não precisaríamos construir isso no sistema. Entende?”

Marcos: “Sei” — responde meio inseguro mas entendendo o raciocínio. “Mas pelo que vi sobre ágil, não seria melhor fazermos algo e mostrar para ele? Tipo, valorizando mais software funcionando do que documentação?” — tira da manga esse trunfo motivado pelo receio de ter que levar a questão para o chefe.

Jonas: “Ah sim, precisamos valorizar mais software funcionando, mas também tem um princípio que diz que precisamos maximizar a quantidade de trabalho que não precisou ser feito. Pelo menos precisamos saber para quê esse relatório será usado, certo? Imagino que vocês nos contrataram porque trazemos esse expertise ágil para os produtos.” — finaliza Jonas com xeque-mate.

Marcos, sem outros argumentos e já meio decepcionado com a potencial facilidade que esperava, diz: “Entendi. Então, qual seria nosso próximo passo?”

Jonas: “Olha, já que não sabemos o motivo da solicitação, seria importante envolver o seu diretor para entendermos melhor o que ele pretende. Podemos fazer uma reunião no modelo de concepção em que ele nos apresenta as intenções para esta demanda. Vamos envolver também o time e o arquiteto da área para já estarem alinhados e entenderem a importância da demanda. Assim eles também já podem opinar sobre possíveis impactos e indicar alternativas técnicas. A gente precisa garantir que todas as pessoas-chave estejam presentes, assim, se formos utilizar informações de outro produto ou equipe, eles já estarão cientes desta possível integração.”

Marcos fazia suas anotações enquanto Jonas falava e a cada nova frase se preocupava mais. Sua ansiedade voltou à tona potencializada pela alta expectativa de simplicidade que tinha criado. Já totalmente sem forças e vencido pela situação, acrescenta: “Ok, anotei aqui para envolver o Diretor, o time interno nosso, o arquiteto e os times envolvidos na integração. Vou brifar o diretor para trazer alguma coisa já preparada e cuidar da sala de reunião, post-its e pincéis. Precisamos de mais alguma coisa?”

Jonas, olhando suas anotações, diz: “Não, creio que seja isso. Talvez possamos fazer uma reunião um pouco maior para já aproveitar que estão todos na sala e repriorizarmos o backlog para ver o que precisará sair para esta nova demanda entrar. Creio que seja isso.”

Marcos engole seco e coloca de forma tímida e insegura: “Ah, vai precisar sair alguma coisa do escopo é?”

Jonas: “Ah, sim, dependendo do tamanho da demanda né?” — responde Jonas de forma simpática.

Marcos: “hummm.” — solta ele querendo não mostrar muita surpresa. “Blz… vamos nos falando então”

Jonas: “Ah, só mais uma coisa Marcos…”

Marcos pensa: ‘Meu Deus…’

Jonas: “…tem que trazer também os usuários que terão acesso ao relatório além do seu diretor, se houver. E já agenda para o dia seguinte meio período para escrevermos as histórias dessa funcionalidade. Tranquilo pra você?”

Marcos: “Ok. Tchau!” (desliga a conf.)

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