Narrativas

As reclamações do cliente podem ter naturezas distintas: algumas originárias da dor e outras da ambição. Ambas semelhantes na tratativa: compreender bem os estados “A” e “B” e apresentar sugestões de ação para ir de A à B. Todavia existe uma terceira origem de reclamações que advém do imaginário presente na cultura da empresa e que pode não encontrar mais respaldo na realidade. Esta última exigirá outro tipo de abordagem de um agente de mudanças atento.

Esse imaginário comum se consolida através de narrativas que são repetidas indiscriminadamente. Por certo, situações passadas influenciaram a criação da narrativa, mas a persistência delas no tempo é fruto mais do poder que as histórias têm de se perpetuar do que das evidências observadas em si. Assim, o que se diz da cultura de uma empresa é o conjunto de narrativas que se encontra nela — algumas que representam problemas crônicos atuais e outras que representam verdades passadas. Saber identifica-las é uma habilidade imprescindível àquele que busca melhorias e ajudar pessoas.

Exemplos de narrativas são fáceis de encontrar. Se você prestar atenção às conversas de café e às histórias que as pessoas contam para sustentar seus argumentos você poderá mapeá-las e, como Sherlock Holmes, investigar se ainda fazem sentido. Algumas seriam:

– “Não temos melhoria contínua” — mas o histórico de mudanças diz outra coisa;
– “Somos uma empresa inovadora” — mas todos relatam ter medo de errar;
– “Aqui é caótico! A sprint muda sempre!” — mas houve apenas 1 alteração na última quinzena;
– “Aqui é tudo top-down!” — num lugar de altíssima autonomia;
– “A equipe de suporte é lenta” — mas ninguém segue o processo convencionado;
– “A equipe não está madura o suficiente” — e isso já dura 2 anos…

Um agente de mudanças que se deixa levar pela narrativa, investirá, por exemplo, na “blindagem” daquela equipe que reclama de mudanças durante a sprint, distanciando-a mais da área de negócios, quando, na verdade, ela já está distante demais, culturalmente.

Perceba, portanto, como esse tópico é urgente de atenção visto que o profissional está inundado de narrativas e, devido à natureza do trabalho, cheio de requisições de mudanças. Identificar as narrativas (boas e ruins) que figuram hoje na sua organização talvez seja a coisa mais importante que você faça, pois lhe fornecerá os indícios do que deverá realmente ser melhorado ou do que precisará ser primeiro desmistificado.

As narrativas mais fracas morrerão mediante dados reais contrários. Podem também se legitimar frente aos fatos que lhe apoiem e isso te ajudará na introdução de mudanças. As narrativas mais sólidas, porém, resistirão mesmo frente às evidências contrárias e uma guerra cultural será travada. De qualquer forma, isso é melhor do que introduzir problemas ou novos processos, tentando resolver dores que não existem mais.


Em breve aqui mais conteúdos sobre como lidar e contra-atacar narrativas nocivas em busca de ações efetivas.

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