Seu Título Aqui

“Certo… e o que você sabe sobre logística?” — perguntou Marlene no meio da entrevista com a candidata Lúcia.

“Logística? Não conheço muito não…” — respondeu Lúcia meio insegura e reticente.  

Marlene: “E sobre construção civil? Desde o mais simples, como ter levantado um muro até ter projetado uma ponte para o transporte de tropas de guerra”. — perguntou novamente com um semblante natural que não aparentava estar fazendo uma piada.

Lúcia: “Como assim? Parede, ponte…?”

Marlene: “Você quer que eu repita a pergunta?”

Lúcia: “Não, não, eu entendi. Só achei meio estranho perguntar isso pra mim.”

Marlene: “Porquê? Você se incomoda com esse tipo de pergunta?”

Lúcia: “Não, é que… sei lá… me pareceu… ” — deixando no ar o incômodo para ver se obtinha alguma empatia. Não teve.

Marlene: “Aqui estamos buscando um bom profissional Lúcia. Espero que seja você. Vou continuar, ok?” — olha de volta para sua prancheta enquanto Lúcia se ajeita inquieta na cadeira: “Quantas vidas você já conseguiu salvar? Pode ser desde salvamentos simples como afogamentos, até ter transplantado algum órgão de forma emergencial.”

Lúcia: “Olha só… Marlene né?” — começando a se irritar — “Deixa eu te falar uma coisa… acho que deve estar havendo algum engano… eu não vim procurar uma vaga para Engenharia ou Medicina. Eu sou Agile Coach”

Marlene olha para Lúcia por cima dos óculos estreitos, olha em seguida para o topo da sua folha de entrevista e retoma o olhar para Lúcia dizendo com um ar de obviedade evidente: “Sim… isso mesmo… está anotado aqui que você é Agile Coach. Qual o problema? Você quer mudar suas informações cadastrais?”

Lúcia: “Não!” — inconformando-se levemente com a situação — “É que essas perguntas que a senhora está me fazendo, não parecem ser para uma vaga de Agile Coach!”

“Ah sim. Entendi o que está havendo.” — realiza Marlene e deixa a prancheta de lado como se fosse dar toda atenção ao assunto — “Lúcia, nós não estamos contratando para uma vaga de Agile Coach.”

“Eu percebi! Pelo nível das perguntas o perfil está mais para um Enterprise Agile Officer Master” — brinca Lúcia tentando diminuir a tensão mas sem causar efeito na sua entrevistadora. Retoma a seriedade e diz: “Mas no anúncio da vaga estava escrito que vocês procuravam Agile Coaches”

“Sim. Mas você deve ter reparado que estávamos procurando também vários outros ‘títulos’ de profissionais, não?” — coloca Marlene evidenciando que estava prestes a chegar numa conclusão lógica.

“Sim. Eu achei meio estranho mesmo. Tinha um monte de profissionais… tinha até um engenheiro de pesca. Fiquei até imaginando onde vocês usariam um Enge…” — Lúcia é interrompida.

“Nós procuramos desta forma, porque infelizmente é a nomenclatura que o mercado está acostumado. São os rótulos nos quais os profissionais antigos ainda se reconhecem. O que, como sabemos, limita o desempenho e a envergadura de atuação de todos eles.” — irrompe Marlene com ar de intelectual.

Lúcia: “…” — tentando processar a frase que fora dita muito rapidamente. Depois de alguns incômodos segundos ela pergunta: “Certo… então pra qual vaga vocês estão contratando?”

Marlene: “Não estamos contratando para vaga nenhuma Lúcia. Aqui não há papéis, rótulos, títulos, cargos… “

“Sei… ” — reticente — “… e o que vocês esperariam, assim, tipo, que eu fizesse, assim, por exemplo, só pra eu saber, caso fosse contratada?… ” — coloca Lúcia tentando resgatar algum valor naquela conversa.

Marlene: “Aqui o importante são os resultados Lúcia! Não o nome do seu título!” — diz orgulhosa de fazer parte desse novo paradigma.

Lúcia: “… ooook. Eu também acho que resultados são importantes… mas isso não exclui a necess…” — quando é interrompida novamente.

“Ótimo!!” — diz Marlene num grito de satisfação sem deixar Lúcia terminar o raciocínio. E adiciona como que confidenciando um segredo: “Não queremos colocar um cabresto em você através de um cargo limitante. As pessoas são capazes de fazer mais do que aquilo que está escrito no seu ‘job description’, não é mesmo?”

Lúcia respira fundo. Já tinha em sua cabeça desistido de entrar naquela empresa e agora estava apenas curiosa: “Vamos imaginar por um momento que eu consiga essa vaga… ”

Marlene: “Ok. Deixa eu te corrigir logo aí. Não dizemos ‘vaga’ aqui, porque não há nada vago. Aqui existem oportunidades a serem exploradas. Mas eu entendi o que você quis dizer, continue… “

Lúcia deixa os olhos virarem sem querer, mas retoma rapidamente de onde parou: “… o que eu começaria fazendo no primeiro dia de trabalho?”

Marlene: “Essa é uma péssima pergunta Lúcia! Perdeu alguns pontos comigo agora! O que você deve se questionar é:” — e coloca pausadamente — “O que você precisa que a empresa faça para você atingir resultados.”

Lúcia acompanha cada palavra. Encontra até sentido e coerência nessa abordagem agora que sabe as pretensões inovadoras e modernas de gestão daquela empresa. Começa a relembrar sua tendência empreendedora e que poderia ser, de fato, uma oportunidade interessante de usar os recursos de uma grande empresa para tirar algumas ideias do papel. Ela se recompõe e diz honestamente:

“Entendi. Bem, se eu soubesse até teria me preparado melhor para esta entrevista. Eu até tenho algumas ideias para um produto … “ — interrompida novamente.

“Perfeito!” — grita Marlene — “Mas nós não precisamos saber o que você irá fazer, somente os resultados nos importam Lúcia.”

Lúcia volta a se incomodar. “Mas como assim só os resultados? A empresa não tem uma linha de atuação? Um segmento que seja? Um ramo de atividade? Sei lá… um código de ética, algumas restrições do que posso ou não fazer… linhas de investimento preferenciais…?”

Marlene: “Agora eu gostei de você Lúcia! Ganhou vários pontos!! Ótima pergunta” — diz com orgulho legítimo no olhar — “Nós temos sim várias linhas de atuação. Só preciso saber em quais delas você já gerou resultados de alguma forma. Então, se me permite, gostaria de continuar a entrevista de onde paramos… tudo bem?” — adicionou carinhosamente e continuou “Na linha de extração de petróleo, já influenciou ou ajudou a influenciar a especulação de preços no oriente médio de alguma forma?”

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